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Os Dias no Hospital

Depois do jantar o médico veio ao meu quarto, fechou a porta e tirando um mapa de bolso, pediu que eu indicasse no mapa a posição das tropas russas, pois ele só acreditava nas informações da BBC de Londres e havia mais de um mês que ele não conseguia ouvir aquela emissora.

Tracei no mapa a posição das tropas russas e a cidade de LEIPZIG aparecia como já ocupada pelos russos. O médico baixou a cabeça, apertou-a com as mãos e tive a impressão de que estava rezando.

Quando levantou a cabeça, vi que os seus olhos estavam cheios de lágrimas e ele me disse que sua esposa e um filho pequeno moravam em LEIPZIG e quando começou a perceber que a Alemanha estava perdendo a guerra passou a rezar, pedindo a Deus que fossem os aliados os primeiros a chegar à sua cidade.

Todas as noites o capitão, um tenente médico e uma enfermeira vinham ao meu quarto e jogávamos BRIDGE.

Durante o dia eu via o movimento na Auto-Estrada e por volta do 5º ou 6º dia percebi um aumento no movimento de veículos e imaginei que fosse uma grande retirada dos alemães. No dia seguinte comecei a ouvir o barulho da Batalha e pude imaginar que a frente de combate estivesse bem próxima de REGGIO EMIGLIA.

Logo depois do jantar o capitão entrou no meu quarto e me informou que ele ia evacuar o Hospital, que iria deixar ali 12 feridos alemães que não tinham condições de serem transportados e que por este motivo eu também ficaria, já que a convenção de Genebra mandava deixar o mesmo número de soldados inimigos e eu era o único aliado no hospital.

Como dos que iam ficar, eu era o único oficial ele ia passar a mim o comando do Hospital e deixaria também um enfermeiro e uma enfermeira para cuidar de nós.

Algum tempo depois o capitão voltou ao meu quarto, acompanhado do Tenente e três subalternos, deu voz de posição de sentido, leu alguma coisa em alemão, que eu suponho ter sido a passagem de comando e me entregou uma pistola.

Terminada a cerimônia o capitão dispensou as outras pessoas, fechou a porta e disse que queria se despedir de mim.

Perguntou se eu conhecia o Dr. Mario Jorge, um Ortopedista brasileiro que havia estudado com ele em Munich.

Fiquei muito impressionado, pois eu conhecia pessoalmente o Dr. Mario Jorge que era diretor do Hospital dos acidentados no Rio de Janeiro e havia tratado de minha mãe quando ela sofreu um acidente de automóvel.

Na hora da despedida o capitão disse que a vida não tinha mais sentido para ele pois tinha certeza que nunca mais veria a sua esposa e seu filho.

Eu respondi que ele não devia ser tão pessimista, que a guerra estava no fim é que os russos não tinham porque fazer mal aos seus entes queridos, mas se ele estava tão certo desta tragédia o que devia fazer era permanecer à testa do Hospital, cuidando dos feridos e se deixar fazer prisioneiro pelos aliados.

Ele olhou fixo para mim, deu um sorriso e disse: "Marcos, eu sou um soldado e, como tal, obedeço ordens."

Com esta frase estendeu a mão para mim, eu apertei e lhe desejei boa sorte e disse que iria pedir a Deus, em minhas orações, que ao fim da guerra ele estivesse vivo e encontrasse sua esposa e seu filho.

Ele agradeceu, saiu do quarto e logo depois, eu ouvi o ruído das viaturas se afastando. Durante esta noite morreram três feridos alemães.